20 de dez. de 2009

Uma História de Natal



Conta uma antiga e conhecida lenda,
cuja origem não pude verificar,
que uma semana antes do Natal o Arcanjo Miguel
pediu que seus anjos visitassem a Terra;
desejava saber se estava tudo pronto
para a celebração do nascimento de Jesus
Cristo.

Enviou-os em duplas,
sempre um anjo mais velho com um mais jovem,
de modo que pudesse ter uma opinião mais
completa do que ocorria na Cristandade.

Uma destas duplas foi designada para o Brasil,
e terminou chegando tarde da noite.
Como não tinham onde dormir, pediram
abrigo numa das grandes mansões
que podem ser vistas em certos lugares
do Rio de Janeiro.

O dono da casa, um nobre à beira da falência
(o que, aliás, acontece com muita gente
que habita aquela cidade), era católico fervoroso,
e logo reconheceu os enviados celestiais,
por suas auréolas douradas na cabeça.

Mas estava muito ocupado, preparando uma grande festa
para celebrar o Natal, e não queria desarrubar
a decoração quase terminada: pediu que fossem
dormir no porão.

Embora os cartões de Boas Festas sejam sempre
ilustrados com neve caindo, a data no Brasil cai
em pleno verão; no lugar para onde os anjos foram
enviados fazia um calor terrível, e o ar
- cheio de humidade - era quase irrespirável.

Deitaram-se em um piso duro, mas antes de começar
suas orações, o anjo mais velho notou uma rachadura
na parede.
Levantou-se, consertou-a usando os seus poderes divinos,
e voltou para prece noturna. Passaram a noite
como se estivessem no inferno, tão quente que estava.

Dormiram muito mal, mas precisavam cumprir
a missão que lhes fora confiada por Deus.
No dia seguinte, percorreram a grande cidade
- com seus 12 milhões de habitantes,
suas praias e montanhas, seus contrastes,
suas paisagens belas e seus recantos horríveis.

Preencheram relatórios, e quando a noite
tornou a cair, comecaram a viajar para o interior
do país. Mas, confundidos pela diferença de hora,
de novo se encontraram sem lugar para dormir.

Bateram à porta de uma casa humilde,
onde um casal veio atende-los.
Por não terem acesso às gravuras medievais
que retraram os mensageiros de Deus,
não reconheceram os dois peregrinos
- mas se estavam precisando de abrigo,
a casa era deles. Prepararam um jantar,
apresentaram o pequeno bebê recem-nascido,
e ofereceram o próprio quarto, pedindo
desculpas porque eram pobres,
o calor era grande, mas não tinham dinheiro
para comprar um aparelho de ar condicionado.

Quando acordaram no dia seguinte,
encontraram o casal banhado em lágrimas.
O único bem que possuiam, uma vaca que dava
leite, queijo, e sustento para a família,
havia aparecido morta no campo.

Despediram-se dos peregrinos, envergonhados
porque não podiam preparar um café da manhã.

Enquanto andavam pela estrada de barro,
o anjo mais jovem demostrou sua revolta:

- Não posso entender tal maneira de agir!
O primeiro homem tinha tudo o que precisava,
e ainda assim voce o ajudou.

Quanto a este pobre casal, que nos recebeu
tão bem, voce não fez nada para aliviar o sofrimento deles!
- As coisas não são o que parecem
- disse o anjo mais velho.
- Quando estavamos naquele porão horrível,
notei que havia muito ouro armazenado
na parede daquela mansão, deixado ali
por um antigo proprietário.

A rachadura estava expondo parte do tesouro,
e resolvi esconde-lo de novo, porque
o dono da casa não sabia ajudar quem precisava.

"Ontem, enquanto dormíamos na cama
que o casal nos oferecera, notei que
um terceiro convidado havia chegado:
o anjo da morte.
Fora enviado para levar a criança,
mas como eu o conheço há muitos anos,
convenci que tirasse a vida da vaca,
em seu lugar."

"Lembre-se do dia que está prestes
a ser comemorado: como as pessoas
dão muito valor à aparência,
ninguém quis receber Maria.
Mas os pastores a acolheram,
e por causa disso, tiveram a graça
de serem os primeiros a contemplar
o sorriso do Salvador do Mundo."



Paulo Coelho
www.paulocoelho.com.br

FELIZ NATAL

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