30 de nov. de 2009

Transpondo o Abismo



Blasie Pascal (1623-1662), foi genial matemático,
físico, filósofo e escritor francês.

Convertido ao Cristianismo, quis escrever
uma apologia de sua crença.
A morte o levou antes que pudesse conclui-la.
Mesmo incompleta, foi publicada.
Sob singelo título – Pensamentos –,
temos um repositório de sabedoria.
Dono de um estilo sintético e elegante,
o filósofo francês produziu autênticas
pérolas literárias.
Uma delas, talvez a mais famosa, destaca
a essência de suas idéias:

O coração tem razões que a própria razão desconhece.

Sua concepção filosófica estava norteada
pelo confronto entre esses dois elementos
básicos da personalidade humana:
A razão, simbolizada pelo cérebro,
que tende a privilegiar o palpável.
O sentimento, representado pelo coração,
que busca o inefável.

Crente fervoroso, convicto da continuidade
da vida, além túmulo, afirmava:

De tal forma a imortalidade da alma nos diz respeito
e toca-nos tão profundamente, que é preciso ter perdido
todo sentimento para considerar esse problema
com indiferença.
Somos Espíritos, seres do Além.

A existência física é apenas um estágio,
uma experiência compulsória nesta escola
correcional que é a Terra.
Passamos muito mais tempo na pátria espiritual.
É natural, portanto, que tenhamos o sentimento
da imortalidade.
Intuitivamente, sabemos que a vida continua.

Não morremos. Apenas nos transferimos para o além.

Como dizia Guimarães Rosa (1908-1967):
ficamos encantados.
O materialista é alguém que, intoxicado
por esdrúxulas concepções, perde a sensibilidade
para os valores espirituais e passa a negar
a própria imortalidade, como hipotético bebê
pensante que se recusasse a crer em vida
fora do útero materno.

Não obstante, Pascal também tinha dúvidas.
Segundo uma lenda, via constantemente ao seu lado
um abismo, símbolo da angústia causada
por problemas de difícil solução, como,
por exemplo, a salvação.
Ligou-se inicialmente ao janseanismo,
que a atribui a uma escolha divina
– Deus teria seus eleitos.

Pascal sentia-se incomodado.
Essa concepção perpetra flagrante injustiça;
uma arbitrariedade que ficaria bem
aos soberanos despóticos da Terra,
jamais ao Governador do Universo.

E a diversidade das condições humanas?
Como explicar o bom e o mau, o rico e o pobre,
o virtuoso e o vicioso, culto e o ignorante,
o gênio e o idiota?
Como aceitar que alguns sigam, tranqüilos,
caminhos retos, enquanto outros se transviam facilmente,
como se estivessem programados para o desatino?
Ainda aqui, uma escolha divina?
Deus tem preferência por alguns?

A outros pretere, negando-lhes condições mínimas
para uma existência compatível com a dignidade humana?
Intelectual brilhante, Pascal não digeria
essas incongruências.
Há, realmente, um abismo, uma imensa perplexidade,
quando confrontamos a decantada justiça do Céu
com as injustiças da Terra.

Dois séculos mais tarde, em face de seus méritos,
Pascal teria a honra de colaborar na codificação
da Doutrina Espírita.

Mensagens suas foram publicadas
em O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo
o Espiritismo e Revista Espírita.
Transposto outro abismo, aquele que separa
a Terra do Além, Pascal revela ter superado
inteiramente suas dúvidas, consciente de que
Deus não tem preferências nem “preterências”
– somos todos seus filhos.

Sob suas bênçãos, estamos todos
a caminho da perfeição!
Seremos um dia prepostos do Senhor,
desfrutando da suprema felicidade de
uma plena integração nos ritmos
da harmonia universal!

E tanto mais depressa chegaremos lá,
realizando os mais gloriosos sonhos
de felicidade e paz, quanto maior
o nosso empenho em superar o grande
entrave de nossa evolução, no estágio
em que nos encontramos:
O egoísmo.

Esse sentimento desastroso,
que nos leva a cuidar do próprio bem-estar
e “o resto que se dane”, gera e sustenta
quase todos os males humanos.
É o que ele nos diz na mensagem publicada
em O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo XI,
onde acentua:
O egoísmo é a negação da caridade.
Ora, sem a caridade não haverá descanso
para a sociedade humana.
Digo mais: não haverá segurança.
Com o egoísmo e o orgulho, que andam de mãos dadas,
a vida será sempre uma carreira em que vencerá
o mais esperto, uma luta de interesses,
em que se calcarão aos pés as mais santas afeições,
em que nem sequer os sagrados laços
da família merecerão respeito.
Já durante a existência física Pascal tinha percepção
desse problema fundamental da Humanidade,
tanto que afirma, taxativamente, em Pensamentos:
O eu é odioso.




Richard Simonetti
do Livro Luzes no Caminho

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