10 de jul. de 2009

O Homem e a Natureza



Gibran Kahlil Gibran

Ao romper do dia, sentei-me na campina,
travando conversa com a Natureza,
enquanto o Homem ainda descansava sossegadamente
nas dobras da sonolência.
Deitei-me na relva verde
e comecei a meditar sobre estas perguntas:

Será a Beleza Verdade? Será Verdade a Beleza?

E em meus pensamentos vi-me levado
para longe da humanidade. Minha imaginação
descerrou o véu de matéria que escondia meu íntimo.
Minha alma expandiu-se e senti-me ligado à Natureza
e a seus segredos.
Meus ouvidos puseram-se atentos
à linguagem de suas maravilhas.

Assim que me sentei e me entreguei
profundamente à meditação, senti uma brisa
perpassando através dos galhos das árvores
e percebi um suspiro como o de um órfão perdido.

“Por que te lamentas, brisa amorosa?” perguntei.

E a brisa respondeu: “Porque vim da cidade
que se escalda sob o calor do sol,
e os germes das pragas e contaminações
agregaram-se às minhas vestes puras.
Podes culpar-me por lamentar-me?”

Mirei depois as faces de lágrimas coloridas
das flores e ouvi seu terno lamento...
E indaguei:
“Por que chorais, minhas flores maravilhosas?”

Uma delas ergueu a cabeça graciosa e murmurou:
“Choramos porque o Homem virá e nos arrancará,
e nos porá à venda nos mercados da cidade.”

E outra flor acrescentou: “À noite, quando estivermos murchas,
ele nos atirará no monte de lixo.
Choramos porque a mão cruel do Homem
nos arranca de nossas moradas nativas.”

Ouvi também um regato lamentando-se como uma viúva
que chorasse o filho morto, e o interroguei:
“Por que choras meu límpido regato?”

E o regato retrucou: “Porque sou compelido
a ir à cidade, onde o Homem me despreza
e me rejeita pelas bebidas fortes,
e faz de mim carregador de seu lixo,
polui minha pureza e transforma minha
serventia em imundície.”

Escutei, ainda, os pássaros soluçando
e os interpelei: “Por que chorais meus belos pássaros?”

E um deles voou para perto, pousou na ponta de um ramo
e justificou: “Daqui a pouco, os filhos de Adão virão
a este campo com suas aramas destruidoras e desencadearão
uma guerra contra nós, como se fossemos seus inimigos mortais.

Agora estamos nos despedindo uns dos outros,
pois não sabemos quais de nós escaparão à fúria do Homem.
A morte nos segue, aonde quer que vamos.”

Então o sol já se levantava por trás dos picos da montanha
e coloria os topos das árvores com auréolas douradas.
Contemplei tão grande beleza e me perguntei:

“Por que o homem deve destruir o que a Natureza construiu?”




Gibran Kahlil Gibran
in A Voz do Mestre

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